“A introdução do voto impresso seria uma solução desnecessária para um problema que não existe, com um aumento relevante de riscos”. Foi o que declarou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, ao defender a total segurança, transparência e auditabilidade da urna eletrônica em uma audiência nesta quarta-feira (9) em comissão geral no Plenário da Câmara dos Deputados.
O encontro foi realizado para debater as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) nº 135/20 e 125/11 que tratam, respectivamente, do voto impresso e da reforma eleitoral. O ministro abordou também o fenômeno da desinformação no processo eleitoral.
Barroso destacou o sucesso dos 25 anos da urna eletrônica, sem que qualquer indício de fraude contra o equipamento tenha sido documentado. O ministro lembrou que as urnas não são conectadas à internet ou a qualquer outra rede, o que fortalece a segurança contra ataques externos de hackers. As urnas começaram a ser utilizadas nas Eleições Municipais de 1996. Em 2000, todos os eleitores já votavam pelo equipamento.
O presidente do TSE salientou aos parlamentares os problemas associados ao retrocesso ao voto impresso, como o alto custo (R$ 2 bilhões) para a adoção, o perigo de quebra do sigilo do voto e os riscos de fraude e de extrema judicialização do resultado das eleições pelos candidatos derrotados.
Ele lembrou que na última eleição houve mais de 400 mil candidaturas. Barroso destacou, ainda, dificuldades de ordem administrativa, como o preparo de uma licitação complexa no TSE para a compra de equipamentos, caso o voto impresso seja efetivado.
“Dois bilhões de reais faz muita diferença. Eu só gostaria de lembrar que nós não realizamos o censo demográfico por falta de dinheiro, e que as Forças Armadas não puderam ajudar em uma operação que eu mesmo determinei para proteger comunidades indígenas e garimpeiros em um conflito porque disseram que não tinha recursos. Portanto, essa talvez não seja a melhor alocação de recursos no momento”, disse ele.
O ministro lembrou que, nas eleições gerais de 2002, o voto impresso foi implantado em determinado percentual de urnas, com resultados nada animadores. De acordo com o relatório produzido pelo TSE na época, a experiência ocasionou diversos problemas durante a votação. “A conclusão foi a de que não agregou qualquer componente de segurança e trouxe riscos variados”, informou.
No entanto, Barroso assinalou que o Congresso Nacional é o local apropriado para fazer esse debate, que envolve o voto, um dos fundamentos da cidadania. “Essa é uma decisão política. Se o Congresso Nacional decidir que tem que ter voto impresso, e o STF validar, vai ter voto impresso. Mas vai piorar. A vida vai ficar bem pior. Aliás, a vida vai ficar parecida com o que era antes. Creiam em mim”, advertiu.
O presidente do TSE compareceu à comissão geral, que foi conduzida pela presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), atendendo a convites das comissões que discutem as PECs e da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara. Na audiência, deputados falaram e fizeram perguntas sobre os temas. A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a PEC nº 135/2019, de autoria da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), foi instalada em 13 de maio.
Fim da intervenção humana
Durante a audiência, Barroso afirmou que as urnas eletrônicas encerraram um passado de fraudes eleitorais, pois retiraram a manipulação humana das etapas do processo eleitoral. Ele lembrou que no tempo do Império e na República Velha, com os votos em papel, as fraudes ocorriam por meio da eleição a bico de pena, dos votos de cabresto, do “voto formiguinha” e com a alteração dos mapas de votação.
“As urnas eletrônicas eliminaram a intervenção humana no momento da votação e da apuração da eleição. Isso porque essa intervenção humana sempre foi a principal causa de fraudes eleitorais no Brasil”, disse.
Transparência e comissão interna
Ao acentuar a transparência do processo eleitoral, Barroso informou que todas as etapas são fiscalizadas por entidades como o Supremo Tribunal Federal (STF), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), universidades, partidos políticos, Procuradoria-Geral da República (PGR), Controladoria-Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Polícia Federal, Forças Armadas, Sociedade Brasileira de Computação, Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) e pelo próprio Congresso Nacional.
“Portanto, o sistema é transparente para quem quiser”, disse o ministro, ao lembrar que “a todo e qualquer momento, desde o início do TPS no segundo semestre, os partidos podem comparecer pelos seus parlamentares ou indicando os seus técnicos para acompanhar cada passo do desenvolvimento desse sistema”.
Como reforço ainda maior, o ministro anunciou aos parlamentares que a Corte constituirá uma comissão interna de observação, o que ampliará o universo das entidades que irão acompanhar cada fase de desenvolvimento do processo eleitoral. A comissão terá a participação de representantes de instituições públicas, de universidades, entidades de Tecnologia da Informação, organizações da sociedade e do Congresso Nacional. A meta é que ela esteja formada já para as Eleições Gerais de 2022. “Portanto, não há nenhuma opacidade na maneira como o TSE trabalha”, afirmou.
“Cada passo do processo eleitoral, do desenvolvimento do programa à divulgação dos resultados, está sujeito à fiscalização de todos os partidos. Na verdade, é que, na prática, os partidos não comparecem pela razão que confiam e nós ficamos muito felizes que seja assim”, declarou.
Auditoria
O presidente do TSE mencionou, pelo menos, dez momentos do processo eleitoral em que os componentes das urnas são auditados: na abertura dos programas e do código-fonte; durante o Teste Público de Segurança do Sistema Eletrônico de Votação (TPS); na assinatura digital dos sistemas; na cerimônia de lacração e inseminação das urnas; na extração da chama “zerézima” do equipamento; na emissão do boletim de urna (BU); durante o Teste de Integridade; e no Registro Digital do Voto (RDV), entre outros.
“Portanto, temos cerca de dez itens de auditoria, todos abertos à fiscalização dos partidos. Há uma percepção de que as urnas não são auditáveis. Elas são auditáveis muitas vezes”, disse o ministro.
Paradoxos
O presidente do TSE citou três paradoxos que depõem contra a adoção do voto impresso e revelam a robustez da urna eletrônica.
O primeiro, é que para confiar no voto impresso é preciso confiar na urna eletrônica, “porque o voto impresso vai ser produto da urna eletrônica”. “Esse é um paradoxo difícil de superar”.
O segundo é que a impressão do voto vai diminuir a segurança da votação, pois “vai se criar um mecanismo de auditoria, que é o voto impresso, que é menos seguro do que o objeto da auditoria, que é o voto eletrônico”. O terceiro paradoxo citado por Barroso ocorreria em uma eventual divergência na contagem do voto eletrônico e do impresso. “Como é que se faz essa reconciliação?”.
Reforma eleitoral e combate à desinformação
Na audiência, o ministro também afirmou que o TSE está aberto para apresentar sugestões no debate que a Câmara dos Deputados faz para o aperfeiçoamento do sistema eleitoral e político.
Além das questões ligadas ao voto impresso e à reforma eleitoral, Barroso enfatizou o êxito alcançado pela Justiça Eleitoral e a sociedade brasileira no combate à desinformação nas eleições de 2020.
Ele assinalou que a JE e os parceiros do Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições 2020 agiram de forma rápida e coordenada para fornecer à população informações verdadeiras para combater as chamadas “fake news” (notícias falsas) na campanha, assim que estas surgiam. (Com assessoria)